

Na quinta-feira, 1º de maio, o Brasil perdeu uma de suas maiores intérpretes da música popular brasileira: Nana Caymmi, aos 84 anos. Filha do lendário Dorival Caymmi, sua partida foi sentida por fãs e artistas, mas um detalhe chamou atenção: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que costumeiramente presta homenagens públicas a grandes nomes da cultura nacional, permaneceu em absoluto silêncio. Nenhuma nota oficial. Nenhuma publicação nas redes sociais. Nenhuma palavra.
A ausência de manifestação do chefe do Executivo federal causou estranheza, principalmente por contrastar com episódios recentes. Quando a cantora Cristina Buarque faleceu em abril, Lula prontamente publicou uma nota lamentando a perda. Por que, então, com Nana, o silêncio prevaleceu?
Uma Voz Potente Que Nadou Contra a Corrente
Nana Caymmi nunca foi uma artista de meias palavras. Ícone de voz marcante e interpretações intensas, ela construiu uma carreira respeitada que atravessou décadas — mesmo que muitas vezes à margem do mainstream. Mas o que talvez mais tenha chocado o universo artístico foi sua postura política em tempos recentes.
Em 2019, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), Nana se posicionou publicamente a favor do então presidente, indo na contramão de muitos colegas da música popular brasileira, tradicionalmente alinhados à esquerda. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ela afirmou:
“É injusto não dar a esse homem um crédito de confiança. Um homem que estava fodido, esfaqueado, correndo pra fazer um ministério, sem noção da mutreta toda… Só de tirar PMDB e PT já é uma garantia de que a vida vai melhorar.”
Ela não parou por aí. Nana também fez críticas diretas a nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil — este último, inclusive, com quem teve um breve casamento nos anos 60. O rompimento político e ideológico com esses artistas reforçou sua imagem como voz dissonante no cenário cultural brasileiro.
O Peso do Posicionamento Político nas Relações de Poder
O silêncio de Lula diante da morte de Nana Caymmi pode ser interpretado sob diversos ângulos. Em um país onde política e cultura frequentemente se entrelaçam, as preferências ideológicas de figuras públicas acabam moldando suas relações e até seus legados.
A ausência de uma homenagem presidencial pode parecer pequena, mas é profundamente simbólica. Demonstra como o espectro político ainda tem poder de dividir não só os vivos, mas também o modo como os mortos são lembrados. No caso de Nana, sua escolha por apoiar Bolsonaro pode ter custado mais do que críticas: talvez tenha custado a reverência pública de um Estado que, historicamente, reconhece os grandes nomes da cultura nacional em suas despedidas.
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência foi questionada sobre o motivo do silêncio de Lula, mas até o momento não se manifestou. O espaço permanece aberto — e a ausência de resposta só alimenta especulações.
Cultura Não É Partido: O Legado Maior de Nana Caymmi
Reduzir a trajetória de Nana Caymmi a uma escolha política seria uma injustiça com sua história e com a música brasileira. Dona de uma das vozes mais potentes e respeitadas da MPB, ela construiu um legado que transcende qualquer ideologia. Gravou com Tom Jobim, João Donato, César Camargo Mariano e tantos outros nomes que moldaram o som do Brasil. Sua forma visceral de interpretar foi comparada às maiores cantoras do mundo.
Sim, ela foi uma artista crítica. Sim, ela destoou de muitos de seus colegas. Mas talvez seja justamente isso que a tornava tão genuína. Nana nunca buscou agradar. Nunca foi produto de conveniência política. E talvez, por isso, tenha sido esquecida por quem só sabe aplaudir quando há sintonia partidária.
Neste momento, cabe ao Brasil — não apenas à Presidência — reconhecer a importância de Nana Caymmi. A cultura nacional perde um pilar. E, independentemente de suas escolhas políticas, seu nome merece ser lembrado com respeito e dignidade.