
Na segunda-feira (22), um dos relatos mais emocionantes da recente perda de Preta Gil veio à tona pelas mãos do próprio filho, Francisco Gil. Aos 30 anos, o jovem músico — fruto da união entre Preta Gil e Otávio Müller — usou as redes sociais para expressar, com palavras impregnadas de amor e espiritualidade, a dor da despedida de sua mãe.
Preta, que morreu no domingo, 20 de julho, aos 50 anos, travava desde 2023 uma luta pública e corajosa contra o câncer colorretal. Mesmo em meio à dor e às dificuldades do tratamento, ela jamais deixou de ser farol para quem também enfrentava doenças ou julgamentos — sempre com leveza, sinceridade e um senso de missão que atravessava as barreiras do palco.
No texto publicado, Francisco não apenas lamenta a perda, mas celebra a essência da mãe: seu amor, sua força, sua fé e a ancestralidade que permeia toda a história da família Gil.
“Que agora venham os 50 bilhões de anos”: a frase de Gilberto Gil que virou mantra
Em um dos trechos mais simbólicos do relato, Francisco resgata uma conversa com o avô, Gilberto Gil, logo após a morte de Preta. Em tom de consolo — e talvez de ensinamento — o cantor e patriarca da família disse ao neto:
“Que agora venham os 50 bilhões de anos.”
A frase remete diretamente ao título da autobiografia de Preta, “Os Primeiros 50”, publicada em 2023, onde ela narra sua trajetória até a meia-idade com coragem, humor e uma notável transparência emocional.
Para Francisco, essas palavras vieram como um chamado à eternidade, como se dissessem: a vida de Preta não termina; ela apenas se estende, transcende. E foi nesse espírito que ele completou:
“Estenda-se infinito, mãezinha. A gente que é de axé sabe que a morte não é um fim.”
Esse trecho, marcado pela cosmovisão afro-brasileira e pelo axé que guia os passos dessa família, resume muito do que Preta sempre representou: uma mulher que, mesmo em meio à dor, vibrava vida, conexão e transcendência.
A última noite: um silêncio cheio de amor entre mãe e filho
Dentre os momentos mais sensíveis de seu texto, Francisco narra a última noite que passou ao lado da mãe. Ele lembra com detalhes emocionantes:
“Você dormia e eu acompanhava cada respiração sua. Você segurava minha mão com força… e eu sem entender de onde você estava tirando aquela força.”
Essa imagem, de alguém que segura firme a mão do outro mesmo à beira da morte, é profundamente simbólica. É a força do cuidado, do vínculo eterno. E Francisco, tocado pela epifania daquele instante, conclui:
“Já faz muito tempo que venho tentando entender de onde vem essa sua força toda… e agora entendo.”
Mais do que uma despedida, esse momento se transformou em aprendizado. Francisco entendeu que a força de sua mãe era a força do amor incondicional — aquele que não depende de tempo, espaço ou lógica, mas simplesmente existe.
O amor em abundância: lição de uma mulher que nunca teve medo de ser inteira
A carta aberta de Francisco à mãe vai além da dor do luto. Ela revela o modo como Preta Gil escolheu amar: de forma inteira, generosa e, sobretudo, abundante. Em suas palavras, ele sintetiza isso lindamente:
“Ter o seu amor foi um impacto grande pra qualquer um e eu nunca me incomodei de dividir ele com ninguém, porque foi você quem me ensinou que o amor não se limita.”
Esse ensinamento, vindo de uma mulher que foi ao mesmo tempo mãe, filha, artista, ativista, empresária e confidente, mostra como Preta fez do amor uma prática cotidiana.
Ela rompeu padrões ao falar abertamente sobre sexualidade, racismo, gordofobia, feminismo e saúde mental. Sua voz ecoava com coragem — e seu abraço acolhia com verdade.
Um legado que transcende a música: fé, ancestralidade e resistência
Preta Gil não era apenas uma cantora de talento notável. Era também uma mulher que fazia da própria existência um ato político. Negra, gorda, livre, irreverente e profundamente humana, ela representava muitas outras mulheres que não se viam nas narrativas dominantes.
Sua espiritualidade, pautada em elementos das religiões afro-brasileiras e na filosofia do axé, dava sentido à vida e à morte. Ao dizer que “a morte não é um fim”, Francisco expressa não só sua crença pessoal, mas também uma visão de mundo construída em gerações.
A família Gil sempre foi símbolo de resistência e conexão com as raízes. Preta seguiu essa trilha com autenticidade. Seu exemplo segue agora como bússola para quem deseja amar sem medo, enfrentar com coragem e viver com verdade.
Velório, homenagens e a eternização de uma estrela que jamais se apagará
O velório de Preta Gil está sendo preparado no Rio de Janeiro e deve reunir nomes da música, das artes, da política e, claro, milhares de fãs que acompanharam sua trajetória com admiração.
Nas redes sociais, amigos e admiradores iniciaram uma corrente de homenagens, compartilhando fotos antigas, vídeos de apresentações, trechos de entrevistas e letras de músicas como “Sinais de Fogo”, que agora parecem carregar ainda mais significados.
A morte de Preta Gil deixa um vazio na música brasileira e no coração de quem acompanhou sua luta. Mas seu nome está longe de ser esquecido. Ela foi — e continuará sendo — um símbolo de força, vulnerabilidade, fé e amor em estado bruto.
E, como bem disse Francisco, o amor entre mãe e filho é “impactante, abundante e eterno”. Nada, nem mesmo a morte, é capaz de colocar fim a esse tipo de ligação.