Lembra da menina que não pôde ser resgatada? Ela teve o mesmo destino que Juliana Marins após a erupção de um vulcão

Omayra Sánchez era uma adolescente comum, cheia de sonhos, de sorrisos fáceis e amor pelos estudos. Aos 13 anos, vivia com a família em Armero, uma pacata cidade colombiana no coração do país. Mas o destino reservava para ela um papel cruel: ser o rosto mais simbólico de uma das maiores tragédias naturais da América Latina.
Sua morte foi transmitida ao vivo para o mundo e, ainda hoje, é lembrada como um dos episódios mais dolorosos já captados por uma câmera.
A fúria do Nevado del Ruiz: a noite em que Armero desapareceu
Na noite de 13 de novembro de 1985, às 21h09, o vulcão Nevado del Ruiz, adormecido por 145 anos, despertou com força aterradora. Em minutos, a erupção lançou toneladas de lava, cinzas e gases tóxicos até 30 quilômetros de altura.
O calor intenso derreteu rapidamente as geleiras que cercavam o vulcão, gerando lahars — rios de lama, detritos e pedras com força e velocidade suficientes para destruir tudo que encontrassem.
Esses lahares avançaram pelos vales, cresceram em volume e altura — cerca de 50 metros — até atingir Armero, arrasando completamente a cidade. Mais de 20 mil pessoas morreram ali, outras 3 mil em vilarejos próximos. A cidade foi engolida pelo barro em minutos.
Entre os destroços e o desespero, estava Omayra Sánchez.

“O governo matou 23 mil pessoas”: uma tragédia anunciada e negligenciada
O que torna essa tragédia ainda mais revoltante é que ela poderia ter sido evitada. Durante meses, geólogos emitiram alertas sobre o risco de erupção. Um mapa de riscos chegou a ser produzido, mas a distribuição foi falha.
Setores da elite econômica local temiam prejuízos e minimizaram os perigos. O próprio prefeito de Armero, Ramón Rodríguez, chegou a dizer que o vulcão era uma “bomba-relógio” — mas não ordenou evacuação.
Na manhã do desastre, a Defesa Civil chegou a emitir uma ordem de retirada, mas uma forte tempestade causou o colapso das comunicações. Além disso, a chuva abafou o som do vulcão, impedindo que a população percebesse o perigo iminente.
A indignação nacional veio rápida. Em Ibague, durante os funerais coletivos, uma faixa resumia a dor e a revolta:
“O vulcão não matou 23 mil pessoas. O governo matou.”
O olhar que comoveu o planeta: Omayra presa sob os escombros
Enquanto equipes de resgate caminhavam sobre a lama, em busca de sobreviventes, um dos socorristas avistou uma mão se movendo entre os escombros. Era Omayra.
Ela estava presa até o pescoço em uma poça de água suja, mantida ali por vigas, entulhos e — mais cruelmente — pelos braços da tia morta, enlaçados em suas pernas. Os socorristas conseguiram liberar espaço apenas para a cabeça da menina.
Mesmo cercada pela morte, Omayra mantinha a lucidez e a doçura. Pedia doces, cantava músicas, tomou refrigerante. Falava da escola e até se preocupava com uma prova de matemática.
Disse que a mãe havia viajado para Bogotá e estava viva. E mandou um recado comovente:
“Mamãe, se você me ouve, reze para que tudo termine bem.”
Mas havia um dilema: retirá-la sem amputar era impossível — e não havia médicos, anestesia ou recursos para realizar o procedimento com segurança. Se puxassem à força, a água cobriria seu rosto, levando-a à morte por afogamento.
Não havia bombas de sucção. Não havia tempo. Não havia governo.
Três dias de esperança, dor e morte: a despedida de Omayra
Por três longos dias, o mundo assistiu à batalha de uma criança contra a morte. Nas primeiras horas, ela emocionou os jornalistas e socorristas com sua bravura incomum. Concedeu entrevistas, brincou e sorriu.
Mas com o tempo, o corpo começou a sucumbir. A água gelada e a exposição contínua provocaram infecção, hipotermia e delírios. Ela chorava, dizia estar atrasada para a escola e, na terceira noite, teve alucinações.
Às 10h05 do dia 16 de novembro, após cerca de 60 horas de resistência comovente, Omayra morreu ali mesmo, no mesmo local onde ficou presa, vítima de gangrena e hipotermia. Foi sepultada sob os próprios escombros.
O mundo ficou em choque.
A imagem da menina foi eternizada por uma das fotografias mais impactantes do século XX, registrada pelo francês Frank Fournier.
Criticado por “apenas fotografar”, Fournier respondeu:
“Não podia salvá-la. Mas pude mostrar ao mundo sua dor.”
A foto correu o planeta, estampou jornais, revistas e se tornou símbolo de sofrimento humano diante da negligência pública.
Legado de dor e memória: Omayra virou símbolo de resistência e denúncia
A história de Omayra ultrapassou fronteiras. A escritora Isabel Allende se inspirou nela para escrever o conto “De barro estamos feitos”, que integra seu livro Contos de Eva Luna.
O escritor colombiano Eduardo Santa publicou, em 1988, o livro Adiós, Omayra, dedicado à menina que tocou o mundo com seu olhar, sua voz e sua resistência silenciosa.
Mais do que um episódio trágico, Omayra Sánchez tornou-se símbolo de resistência, coragem e denúncia. Sua morte expôs a omissão de autoridades e a fragilidade humana diante do poder da natureza.
Quase quatro décadas depois, sua história segue viva. Serve de alerta, de memória e de homenagem a quem, mesmo sem poder se mover, se tornou gigante diante da dor.
“Omayra nos ensinou que até no barro mais escuro pode florescer humanidade.”